“Eu sou o Syed e tenho 16 anos. Sou natural do Bangladesh e vivo em Portugal há cerca de 3 anos. O meu pai mudou-se para cá antes de nós e eu vim depois, com a minha mãe e o meu irmão mais novo.”
O Syed estuda na Escola Profissional de Odemira, no curso de Informática de Sistemas. Quando nos encontrámos pela primeira vez ele estava no 9º ano, numa turma com alunos estrangeiros e portugueses.
“Gosto de imaginar o meu futuro. Gosto de preocupar-me com o que vem a seguir. Gosto de planear e organizar as coisas.”
Era a sua primeira turma em Portugal. O Syed não falava a língua e não sabia o que esperar.
“No Bangladesh, na escola, costumava ter muitos amigos; agora, tenho cerca de dois ou três bons amigos. Não é porque seja mais difícil fazer amigos, mas é porque inicialmente não se consegue interagir.”
Era um rapaz tímido, sereno e muito atento. Passaram vários meses até nos conhecermos melhor. Respondia com poucas palavras e não interagia com os colegas.
“Vocês falavam em inglês e isso era bom, para mim era como se estivesse noutra dimensão. Quando cheguei a Portugal pela primeira vez, foi muito difícil. Na altura, não falava português, então não sabia o que fazer. Era muita informação, muitas disciplinas na escola, muitas actividades. Não conseguimos lidar com tudo. Costumava ficar calado e apenas observar tudo.”
Agora, o Syed é um rapaz muito diferente. Comunicativo e alegre, gosta de exprimir aquilo que pensa, o movimento acelerado dentro da sua mente.
“Agora estou a lidar muito melhor com tudo, sinto-me bem. Falo um pouco de português, por isso é mais fácil entrar em conversa. Quando não se conhece a língua as pessoas podem falar mal de ti e nem sequer consegues defender-te.”
Na primeira sessão do projeto BOWING com o 9º ano em que o Syed estava, falámos sobre as linhas nas palmas das mãos e como essas linhas poderiam formar letras.
“Fazíamos coisas profundas, pediam-nos para entrarmos dentro das nossas mentes.”
O Syed participou nos dois espetáculos: BOWING (2021) e BOWING BACK (2022), onde dançou pela primeira vez e teve um momento a solo na Floresta da Incompreensão, em cima de uma mesa, onde ensinou uma frase em Bengali ao público: "I walked all the way from Bangladesh."
“Eu era tão... tão... tímido! Não tirei a minha máscara durante muito tempo, todos o fizeram menos eu. Foi engraçado porque eu era o único e não era porque tinha medo do Covid, mas estava demasiado habituado a cobrir a minha cara. Depois, no espectáculo, a Matilde tirou-me a máscara e eu não tive opção, tive de continuar. Ensinar Bengali foi muito bom. Foi um desafio, tinha toda aquela gente apenas a olhar para mim, concentrada no que eu estava a dizer, no que estava a ensinar, olhos em mim o tempo todo.”
O Syed praticou este momento muitas vezes com a Matilde, encontravam-se em Portas de Transval e ensaiavam no parque de estacionamento do Lidl. O Syed concentrava-se em praticar não só as palavras, mas acima de tudo em como ensiná-las ao público.
“Estive nos ensaios do BOWING todas as semanas e quando tens um horário intenso durante dois meses e esse período termina, sentes-te triste. Pensava: ’Espero que isto aconteça novamente em breve…’. Senti-me bastante miserável, foi um sentimento de vazio que experimentei.”
No segundo espectáculo, BOWING BACK, o Syed foi guia do público dentro do Novo SEF. Era um papel de grande responsabilidade, em que comunicava permanentemente com as pessoas.
“Foi difícil para mim continuar a gritar o meu nome e a chamar as pessoas para se juntarem a mim. Tive de aprender como manter essa energia na minha voz. A certa altura, porque não estava a dançar neste espetáculo ou a participar em qualquer outra cena, perguntei-me "O que estou a fazer? Porque é que me mantêm aqui?". Mas queria estar ali, sabia que tinha tido uma boa experiência no primeiro ano, então este ano sabia que seria bom também. Ser guia foi uma ideia realmente boa que a Madalena teve. No final do espetáculo, estava a chorar, como todos estavam, mas não queria mostrar. Chorei de felicidade e também pelo sentimento de vazio porque sabia que era o fim novamente.”
Para o Syed, um momento marcante do projecto foi durante uma sessão com o 9º ano em que apresentámos vários retratos – em fotografia, vídeo, palavra, dança. Um desses retratos era o vídeo Botis Seva Portrait da série 52 Portraits, um projeto desenvolvido pelo coreógrafo Jonathan Burrows, pelo compositor Matteo Fargion e o videasta Hugo Glendinning, em Londres, em que vários coreógrafos interpretam o seu retrato dançado.
“Havia um homem a dançar numa mesa, como se estivesse a tentar ser algo diferente, ele estava a escrever talvez... Ele estava sentado numa sala escura. Para mim, isso foi muito importante e muito significativo. Mudou a minha mente. Naquele momento, percebi que a arte faz-nos pensar mais profundamente, tem muitas camadas. Há sempre muitas camadas. Nunca há apenas uma forma de pensar; há muitas maneiras. As coisas podem ser muito mais do que parecem à primeira vista.”