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Francisca Poças

"O meu nome é Francisca Poças, sou portuguesa, concretamente de Leiria. Sou licenciada em Dança, faço parte do Te-Ato - Grupo de Teatro de Leiria e o meu motor de trabalho funde-se na pesquisa das potencialidades da criação de espaços-tempo como ferramentas para o desenvolvimento do sentido de comunidade. Estava a participar no percurso performativo Bem essencial- Pão, Água e Livros em 2021 quando, no fim de um ensaio, sentadas no chão de pernas cruzadas, a Matilde me falou do projeto BOWING. Foi muito fácil ficar com a pulga atrás da orelha e guardar a informação de que “depois do Verão, iremos construir um espetáculo com todos, adultos, adolescentes e crianças, pelas ruas de São Teotónio”. Entretanto chegavam os meses quentes e escrevi uma carta à Cooperativa Lavrar o Mar a perguntar se podia acompanhar e de que forma poderia apoiar o momento final do projecto, a construção do espectáculo. Assim, a Madalena propôs-me fazer a audição pública. Analisando as propostas feitas na audição, já eu estava convencida de que a sensibilidade é apurada neste registo de projectos quando, na pausa de almoço, estavam mantas pelo chão, à sombra, gavetas de madeira com talheres e uma refeição caseira preparada por quatro adolescentes. Fiquei radiante quando a equipa me propôs acompanhar e participar no projecto, entre finais de Setembro até meio de Novembro. Aos fins-de-semana, na junta da freguesia de São Teotónio, juntava-me à equipa nuclear, participando e apoiando os ensaios, nomeadamente a respeito do movimento e da dança. Pude analisar conceitos e abordagens como: redefinir “interdisciplinaridade”, pensar um percurso performativo, citar movimento, procurar ser thinking body, como revisitar o movimento do trabalho diário e dar-lhe outra camada… Trabalhar com crianças, adolescentes e adultos foi também uma aprendizagem, a consciência e a dedicação perante o projecto traduz-se de diferentes formas; a situação linguística também teve em si o seu grau de desafio. Acompanhando de perto a equipa, percebi que o que faz cumprir um projecto político e comunitário da envergadura do BOWING é a sensibilidade, humana e artística. Há uma dedicação de “todo o terreno”, há uma envolvência que avista e pesa o que há antes e depois da porta da sala de ensaio, uma atenção aos pormenores, inteligência e confiança artística. Foi talvez a mais importante conclusão que tirei do projecto, que é no trabalho da sensibilidade que está a possibilidade. Das minhas memórias mais queridas é o momento da Bipasha, a cantar à janela de uma casa local, acompanhada pelo Júnior no adufe e a Vitória no acordeão. Em todos os ensaios, na Junta ou à janela, a Bipasha cantava sempre contente. Na rua, a cheirar a caril, dava para ver a dona da casa, uma senhora a jantar na sala ou na cozinha a lavar a louça. Entre as memórias encontro, também, o cuscuz e ovos cozidos feito pela equipa e para a equipa; o Meet a crescer 10 anos ao ensinar-nos a meditar; o Ivan a beber sumo de palhinha durante o espectáculo; uma música que a Aashika inventou comigo; presenciar, minutos antes de um dos espetáculos, na azáfama e nervos cruzados típicos da hora, o refinamento do Jagjeet ao fazer o turbante ao Antoine. Peripécias também fizeram parte. Uma vez estávamos todos, excepto o grupo dos adultos, no Quintalão a ensaiar o momento “Meditação”, à volta da fonte, até que fomos interrompidos por um padre indignado. O episódio ficou-me guardado na memória devido à reação que gravei dos miúdos, confusos e receosos. No último dia do espectáculo, em 2021, a minha viagem BOWING terminou, desde então que a tenho nos bolsos como salvaguarda de que há possibilidades. "

Fotografias de: João Mariano - 1000 Olhos